Esqueci de ver...
Quando saio pra fotografar.. Mais de perto eu vejo.. A complexidade..
Na lente.. Ninguem é totalmente do bem ou do mau..
Vejo que cada vez menos existem pessoas que resistam aos dias quentes e frios, as grandes filas, os engarrafamentos e não á santo que resista tanta intolerância, tantas noites sem sono e manhãs de mau humor..
Quando saio pra fotografar.. Vejo tudo isto sem me excluir, faço parte deste fluxo..
Bom, uma pequena parte ja que só observo por de traz da lente..
Talvez minha participação venha no depois.. No revelar as imagens captadas, momentos que não voltam mas inexplicavelmente se repete com outros..
Quando saio pra fotografar vejo os bons.. quase invisíveis..
Quando saio pra fotografar vejo os maus.. Estes, visíveis ao nosso incansável julgamento de morte certa.
....Então, olhando de perto, mesmo através da lente, é possível perceber que o mau teve seu tempo de bom... Que estranho né.. O mau que foi bom.. Estes traços de humanidade por mais pequenos ao seu olhar contraria nossa impressão simplista e apressada..
Você ficaria muito surpreso ao ver o bem que o mau ja pode fazer mas.. escolhas e decisões o fizeram perder-se na jornada.
Acredite, isso mexeria muito com suas questões e posições morais, éticas e culturais..
Aqui neste nosso planeta.. existe lugares onde o Mau é santo..
Doido isso né?
Bom, antes de eu ser julgado, me faz um favor..
Examine a cor branca com uma lupa, a mais potente que encontrar..
Você incontestavelmente verá a mistura de cores.. Não á totalmente o branco.
Agora, com esta mesma lupa, olhe a cor laranja, vermelho, azul, verde..
Você verá que cada uma delas representa a soma de tantas outras.
Agora.. Sabe o estranho que você vê passar todos os dias no mesmo horário na mesma rua?
São vários né, mas escolha um e aproxime-se, olhe, converse, ouça-o...
Na próxima vez que passar por você na rua já não será mais um estranho e sim o Fulano de tal, seu conhecido..
Assim é a vida... Assim somos nós...
Eu jamais conhecerei alguem e sua complexidade..
Eu jamais terei todos os acessos.. Nem seus processos reais e suas sombras..
Saberei só as partes boas.. as partes que escolhemos mostrar ao mundo..
Neste caso ouso dizer que.. Quando saio pra fotografar, vejo apenas o avesso..
O avesso é o lado de fora, a casca, a superfície onde a vida é apenas um reflexo..
Aí uso o zoom.. aproximo um pouco mais... Enxergo os movimentos da vida e me espanto com as inevitáveis descobertas, mas sobre tudo o espanto maior ainda é.. me enxergar..
Me enxergar no bom, no mau, no certo e no errado, na coragem e na insegurança de meu medo.
Sustentamos nossa reputação, alimentamos a imagem que os outros fazem de nós, seja ela qual for.
Então nada disto resiste quando saio de minha zona de conforto por de traz da lente e vejo sem filtros, apenas com os olhos..
Ver sem preconceito.. Sem nenhum tipo de juízo.. Sem nenhuma pretensão ou valor.
Assim eu vejo o outro, o irmão, o amigo, o ser humano..
Assim posso ver nos outros quem eu sou..
É.. sou o outro tambem, pequenas falhas com reflexo de minhas escolhas..
Mesmo que eu chame de Mau ou de Bem..
Mesmo que me digam de Mau ou de Bem..
São nestas partes que se expressa nossa cegueira.. Principalmente em gente que você odiaria concordar que, apesar dos pesares, se parece com você.
Todo diabo já foi santo pra alguém..
Todo santo é ou já foi diabo..
De modo que só me resta a consciência que.. Não tem santo nem diabo que resista ao nosso cotidiano..
Quanto mais enxergo de perto, mais complexidade vejo..
Na lente.. Ninguém é totalmente do bem ou do mau..
Somos apenas nós.. expostos no outro para que não tenha outro.. para que não tenha nós..
Quando saio pra fotografar... Busco na vida o que esqueci de ver..
Ninho Dutra.